Apesar de representarem menos de 5% da população mundial, os povos indígenas administram cerca de um quarto da superfície terrestre, abrangendo 38 milhões de km² em 87 países, incluindo ecossistemas de alto valor ecológico e se sobrepondo a cerca de 40% das áreas protegidas e paisagens intactas do planeta. Estudos indicam que compreender a escala e a localização dessas terras é essencial para a implementação efetiva de acordos globais sobre biodiversidade e clima, e que o reconhecimento dos direitos territoriais, das instituições e do papel das comunidades indígenas é fundamental para alcançar as metas de conservação e desenvolvimento sustentável.
Ainda assim, essas populações permanecem amplamente sub-representadas nos espaços de decisão global, o que evidencia uma contradição entre seu protagonismo na proteção da natureza e sua ausência nos fóruns onde se definem as políticas ambientais e econômicas. Essa exclusão não ocorre por acaso: reflete barreiras históricas — linguísticas, financeiras e políticas — que limitam o acesso de quem vive e protege os territórios às mesas onde se decide o futuro da biodiversidade e da economia.
A NESsT, em parceria com a Mott Foundation, desde 2022 vem atuando justamente para romper essas barreiras e conectar territórios e decisões político-financeiras, facilitando a presença e a visibilidade dos povos da floresta e empreendedores da sociobioeconomia em fóruns nacionais e internacionais. Estes empreendedores da sociobioeconomia/povos da floresta asseguram assim o valor do seu saber ancestral e das soluções comunitárias, reconhecidos como pilares essenciais de uma economia verdadeiramente sustentável e regenerativa.
“Acreditamos que não há transição ecológica justa sem as vozes de quem cuida da terra há séculos. Nosso papel é garantir que essas comunidades estejam não apenas no centro das soluções, mas também nas mesas onde as decisões são tomadas.”
Da COP16 à Amazônia: fortalecendo a voz da floresta
Em 2024, durante a COP16 sobre Biodiversidade, realizada em Cali, na Colômbia — a primeira grande reunião global desde a adoção do Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal —, os países avaliaram os avanços das metas globais, como a conservação de 30% das áreas terrestres e marinhas até 2030 e a mobilização de recursos financeiros. A conferência marcou um avanço inédito na inclusão formal de povos indígenas e comunidades tradicionais nos processos de decisão, reconhecendo oficialmente seu papel central na conservação ambiental.
Nesse contexto, duas empresas lideradas por empreendedores comunitários na Colômbia, Agrosolidaria e Painu, trouxeram para o debate global exemplos reais de desenvolvimento sustentável impulsionado localmente. O papel da NESsT concentrou-se em apoiar a conexão dessas experiências com as discussões globais, fornecendo suporte logístico e estratégico para facilitar a participação e o diálogo com instituições internacionais em painéis de alto nível.
“Participar de espaços internacionais como o Latimpacto, a COP16 ou a exploração de mercado na Suécia tem sido uma experiência de crescimento pessoal e uma oportunidade de ampliar meu olhar sobre o mundo.”
Bioeconomy Amazon Summit 2025: a Amazônia real no centro das decisões
Em julho de 2025, a Bioeconomy Amazon Summit (BAS), em Manaus, reuniu mais de dois mil participantes — entre lideranças da floresta, investidores, empreendedores e gestores públicos — para discutir caminhos concretos para um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Como parceira institucional e co-curadora do programa, a NESsT ajudou a garantir que as empresas comunitárias estivessem no centro dessas conversas.
A curadoria da NESsT priorizou a diversidade de vozes e a presença de negócios comunitários. Por meio desse esforço conjunto, empresas como ASSOAB, CooperSapó, ManejeBem, Maré de Sabores e Plantus apresentaram seus produtos e soluções em painéis e na feira de negócios. O resultado foi mais que simbólico: os empreendedores ampliaram sua visibilidade, firmaram novas parcerias comerciais e fortaleceram redes de apoio.
“O apoio da NESsT foi essencial para que nossa experiência fosse valorizada e para mostrar como a bioeconomia já acontece no dia a dia das comunidades amazônicas.”
De beneficiários a protagonistas
As empresas comunitárias em toda a Amazônia estão moldando soluções, gerenciando recursos e liderando mudanças em seus territórios.
O papel da NESsT atua no fortalecimento destas capacidades existentes, conectando empreendedores com investidores, oportunidades de treinamento e plataformas onde suas vozes possam ser amplificadas. Em programas recentes, a NESsT potencializou a autonomia dos empreendedores na gestão financeira, marketing e acesso ao crédito — com resultados visíveis em empresas como a CooperSapó e a ManejeBem, que expandiram suas operações e alcançaram novos mercados, como compartilha Juliane Lemos Blainski, CEO da ManejeBem:
“O investimento da NESsT com condições flexíveis de pagamento é muito útil para fortalecer nossas soluções. O conhecimento da equipe da NESsT em mensuração de impacto nos proporciona uma oportunidade única de aprimorar nossos relatórios e gerar um impacto cada vez mais positivo.”
“Desde a fase de devida diligência, antes mesmo dos negócios integrarem formalmente o portfólio, realizamos conversas horizontais para compreender os contextos sociais e sustentar, junto ao Comitê de Investimento, a tese de impacto que orienta nosso apoio. Valorizamos uma visão holística dos manejos florestais tradicionais, equilibrando métricas quantitativas com as histórias reais que emergem dos territórios.”
Impact Minds 2025: repensando o investimento de impacto
Durante o Impact Minds: Collective Makers 2025, promovido pela Latimpacto, juntamo-nos a parceiros, investidores e líderes comunitários para discutir como o investimento de impacto pode ser repensado, colocando as comunidades e os empreendedores locais no centro da tomada de decisões.
“Ainda chegamos às comunidades de cima para baixo, com uma visão colonialista de que temos as soluções e eles o problema. Quando entendermos que somos nós que temos o que aprender, a mudança será natural e permanente.”
A fala reflete uma virada conceitual em curso no trabalho realizado pela NESsT e seus parceiros, que têm incorporado princípios de regeneração e ancestralidade em suas estratégias de investimento e aceleração. Isso significa priorizar práticas que restauram ecossistemas, fortalecem o tecido social e respeitam os ritmos do território.
Aprendizados e caminhos para o futuro
A participação da NESsT em fóruns como o FIINSA, F2IBAM, Pan Amazon Network Forum e o BAS 2025 reforça uma percepção fundamental: incluir as comunidades locais não é um gesto simbólico, mas uma estratégia de transformação sistêmica. Os próprios territórios detêm as soluções mais consistentes para conciliar economia, clima e equidade.
Líderes apoiados por nossos programas e iniciativas — como Ngrenharati Xikrin, Keivan Hamoud e Ricardo Calderón — estão agora participando ativamente de discussões sobre políticas e investimentos, trazendo perspectivas que refletem suas realidades. Nesses espaços, eles compartilharam propostas concretas que ajudam a moldar políticas e investimentos alinhados às realidades amazônicas.
“Quando se fala da Amazônia, mostram-se fotos aéreas, grandes rios e copas verdes. No entanto, debaixo dessas árvores vivemos nós, as comunidades que cuidamos da floresta e construímos alternativas para conservá-la. Compartilhar essa realidade é uma forma de lembrar que o mundo tem a corresponsabilidade de construir, junto conosco, oportunidades para que essas comunidades possam continuar habitando e protegendo seus territórios.”
Um compromisso contínuo
O compromisso da NESsT com a inclusão dos povos indígenas, o fortalecimento das comunidades e o investimento paciente em empreendimentos sustentáveis continua sendo uma prioridade de longo prazo. Conectar territórios e decisões é mais do que uma meta — é uma prática contínua para a construção de uma economia verdadeiramente regenerativa, na qual aqueles que vivem na floresta e a protegem estejam no centro das soluções.
“Atuamos de forma consistente para influenciar os ecossistemas financeiro, político e de impacto, contribuindo para a democratização dos espaços de debate sobre o financiamento ao desenvolvimento e à bioeconomia. Ao apoiar a participação de líderes comunitários em arenas decisivas, reforçamos que a sociobioeconomia é uma alternativa sustentável, comunitária e participativa diante da crise climática.”
Este blog faz parte de uma série que explora os insights, temas-chave e abordagens que norteiam a publicação da NESsT: Destravando o Potencial do Ecossistema Mundial de Financiamentos para uma Bioeconomia Sustentável na Amazônia pela Perspectiva das Comunidades Locais. Baseado em vozes amazônicas e conversas com o setor financeiro global, o relatório identifica nove recomendações em duas áreas principais para que investidores públicos e privados focados em impacto possam melhorar o direcionamento, eficácia e eficiência de seus financiamentos para a bioeconomia da Amazônia. Com esta série de dez partes, buscamos trazer essas oportunidades para conversas mais amplas e espaços de discussão diversificados, ampliando o alcance das comunidades amazônicas e suas vozes, experiências e soluções.

