Sociobioeconomia como Solução Climática: o papel estratégico dos negócios que prosperam de forma sustentável

Em muitos territórios da Amazônia, comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e tradicionais estão à frente de empreendimentos que geram renda digna, fortalecem economias locais e preservam modos de vida ancestrais — tudo sem derrubar árvores. 

Fotos: CooperSapó

A sociobioeconomia vem ganhando força como um caminho concreto para conciliar desenvolvimento e conservação. Em territórios da Pan-Amazônia, esse modelo já funciona há décadas na prática, impulsionado pela sociobioeconomia. São sistemas produtivos organizados em torno da governança local, do uso sustentável dos recursos florestais e de conhecimentos transmitidos entre gerações — um mosaico de práticas que combina diversidade econômica com cuidado ecológico.

Com apoio da NESsT, iniciativas como pequenas cooperativas, associações indígenas e empreendimentos familiares vêm transformando colheitas, manejo florestal, agroflorestas, extrativismo sustentável, produção de superalimentos e turismo de base comunitária em alternativas reais para o desenvolvimento. Esse modelo cria trabalho, reforça identidades culturais e garante que os benefícios fiquem nas próprias comunidades.

A economia da floresta viva

Foto: Painu

Manter a floresta em pé, além de vital, é sinônimo de prosperidade. Uma meta-análise publicada na prestigiada revista PLOS One estimou que os serviços ecossistêmicos da Amazônia brasileira geram US$410 por hectare ao ano, demonstrando que a floresta viva pode ser mais lucrativa do que sua conversão para usos de alto impacto.

A tendência se repete em outros estudos. A revista Forests (MDPI) avaliou nove modelos de restauração em regiões tropicais e descobriu que sete deles geram retorno econômico positivo, ao aliar resultados ambientais com geração de renda. Em outro estudo, publicado na revista Ecological Economics, pesquisadores analisaram empresas florestais comunitárias na Amazônia operando em regiões vulneráveis e concluíram que a sustentabilidade econômica é alcançada quando esses empreendimentos reduzem a dependência de intermediários, agregam valor no local de origem e acessam mercados que reconhecem a qualidade e o manejo de seus produtos.

A experiência da NESsT na Amazônia também confirma, na prática, essa combinação entre viabilidade econômica e impacto socioambiental. Ao longo dos últimos anos, a organização apoiou 108 empreendimentos no Brasil, Colômbia, Equador e Peru, investindo US$21 milhões em negócios que mantêm a floresta em pé ao mesmo tempo em que fortalecem economias locais. O resultado é concreto: 30.365 empregos dignos gerados e 298.334 pessoas impactadas positivamente, com 58% do portfólio liderado ou co-liderado por mulheres. Esses números demonstram que, quando o investimento chega na ponta e valoriza cadeias socioprodutivas de base comunitária, a floresta viva se traduz em renda, estabilidade e fortalecimento daqueles que a protegem.

  • A AFIMAD — Associação Florestal Indígena de Madre de Dios — reúne coletores de castanha-do-Pará e promove manejo sustentável da castanha, substituindo práticas extrativistas predatórias e oferecendo uma fonte de renda alinhada com a conservação florestal.

  • A ASPROC apoia comunidades ribeirinhas na produção e comercialização de produtos biodiversos da floresta — como peixe (pirarucu), farinha de mandioca, borracha natural, açaí — gerando renda e valorizando modos de vida tradicionais.

  • A Kanuja representa produtores de café e cacau de dezenas de comunidades, buscando eliminar intermediários, garantir preços justos e fortalecer a agricultura sustentável com base comunitária.

O papel decisivo no clima

Povos indígenas e comunidades da floresta mantêm a Amazônia em pé. Seus empreendimentos protegem a biodiversidade, manejam os recursos de forma coletiva e reinvestem os ganhos nos próprios territórios. O impacto é comprovado: áreas sob gestão comunitária registram de 30 a 50% menos desmatamento que regiões semelhantes, reduzindo emissões e aumentando a resiliência a eventos extremos.

Evidências adicionais, como as divulgadas recentemente na revista Nature, mostram que a demarcação de novas terras indígenas pode reduzir o desmatamento em até 66%. O resultado desse esforço conjunto é que entre 2000 e 2021, as áreas indígenas e protegidas da Amazônia responderam por apenas 5% da perda líquida total de floresta na região.

Esses números refletem a forma como as empresas da sociobioeconomiaCLFEs organizam suas economias, priorizando o uso sustentável dos recursos, decisões coletivas, monitoramento territorial e respeito aos ciclos naturais. São economias que integram produção, cultura, identidade e cuidado ecológico. Elas dependem de sua integridade para prosperar.

O desafio da transição

Para que a sociobioeconomia se fortaleça como solução climática em larga escala, é essencial que mercados e políticas deixem de exigir que modelos comunitários se adaptem à lógica industrial. O desafio, portanto, reside na adequação de compras públicas, regulamentações e critérios de financiamento à lógica da comunidade, garantindo acesso direto a recursos, segurança fundiária, infraestrutura apropriada e participação real nos processos de decisão.

Isso significa, antes de tudo, reconhecer que prosperidade territorial e conservação não são opostos, mas sim partes de um mesmo sistema. É preciso garantir que decisões econômicas levem em conta o conhecimento ancestral e práticas tradicionais, para que as comunidades possam negociar preços justos, certificar seus produtos e reter a maior parcela do valor que produzem.

A sociobioeconomia prova que, quando a governança, a cultura e o manejo local se articulam com políticas externas coerentes, o resultado é a criação de economias robustas, resilientes e totalmente alinhadas ao clima. As CLFEs estruturam redes de segurança alimentar, preservam línguas e saberes ancestrais, protegem vastos estoques de carbono e, com isso, ampliam a capacidade adaptativa de regiões inteiras.

Em um momento em que o mundo busca soluções climáticas que combinem impacto, escala e justiça, a sociobioeconomia oferece uma resposta com eficiência comprovada. Fortalecer as CLFEs é reconhecer que a transição climática depende, fundamentalmente, das pessoas e dos territórios que historicamente mantêm as florestas de pé.

É nesse encontro entre autonomia comunitária, valorização da biodiversidade e modelos econômicos regenerativos que reside uma das vias mais sólidas para um futuro sustentável — para a Amazônia, para as demais florestas tropicais e para o planeta.

Por todo o exposto e por sua ampla experiência junto aos negócios da sociobioeconomia, a NESsT é uma das signatárias da declaração “A Sociobioeconomia é uma Solução Climática”. O documento foi assinado por 43 organizações e movimentos da sociedade civil de 23 países. Saiba mais sobre ele aqui.


Este blog faz parte de uma série que explora os insights, temas-chave e abordagens que norteiam a publicação da NESsT: Destravando o Potencial do Ecossistema Mundial de Financiamentos para uma Bioeconomia Sustentável na Amazônia pela Perspectiva das Comunidades Locais. Baseado em vozes amazônicas e conversas com o setor financeiro global, o relatório identifica nove recomendações em duas áreas principais para que investidores públicos e privados focados em impacto possam melhorar o direcionamento, eficácia e eficiência de seus financiamentos para a bioeconomia da Amazônia. Com esta série de dez partes, buscamos trazer essas oportunidades para conversas mais amplas e espaços de discussão diversificados, ampliando o alcance das comunidades amazônicas e suas vozes, experiências e soluções.


Fontes e Referências

Artigos científicos

FERREIRA, João et al. Ecosystem services in the Brazilian Amazon: valuation meta-analysis. PLOS ONE, v. 17, n. 5, 2022. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0268425. Acesso em: 1 dez. 2025.

BRANCALION, Pedro et al. Economic returns of forest restoration models in tropical regions. Forests, v. 13, n. 11, 2022. Disponível em: https://www.mdpi.com/1999-4907/13/11/1878. Acesso em: 1 dez. 2025.

MEDINA, Gabriel et al. Economic sustainability of community forest enterprises in the Amazon. Ecological Economics, v. 70, n. 4, 2011. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0921800911004472. Acesso em: 1 dez. 2025.

CARRANZA, T.; BALMFORD, A.; CHAN, K. M. A. Indigenous land demarcation and deforestation reduction in the Amazon. Scientific Reports (Nature), v. 13, 2023. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-023-32746-7. Acesso em: 1 dez. 2025.

Relatórios e publicações institucionais

CARBON BRIEF
WEBSTER, Ben. Amazon’s least-deforested areas are due to vital role of Indigenous peoples. Carbon Brief, 2021. Disponível em: https://www.carbonbrief.org/amazons-least-deforested-areas-are-due-to-vital-role-of-indigenous-peoples/. Acesso em: 1 dez. 2025.

WRI – World Resources Institute
WORLD RESOURCES INSTITUTE. The role of community forest management in reducing deforestation. Washington, DC: WRI, 2021.

UNDP – United Nations Development Programme
UNDP. Human development and forest-based livelihoods in the Amazon. New York: UNDP, 2023.

IPBES – Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services
IPBES. Global assessment report on biodiversity and ecosystem services. Bonn: IPBES Secretariat, 2019.

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations
FAO. Global Forest Resources Assessment. Rome: FAO, 2020.

Sites institucionais e organizações

SOCIOBIOECONOMIA. Declaração: A Sociobioeconomia é uma Solução Climática. 2024. Disponível em: https://sociobioeconomia.com/declaracao/. Acesso em: 1 dez. 2025.

NESsT. Programa NESsT Amazônia. 2024. Disponível em: https://br.nesst.org/amazonia. Acesso em: 1 dez. 2025.

THE NATURE CONSERVANCY (TNC). Estudo de bioeconomia do Pará. 2023. Disponível em: https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/noticias/estudo-de-bioeconomia/. Acesso em: 1 dez. 2025.

Casos e perfis de empreendimentos

AFIMAD – Associação Florestal Indígena de Madre de Dios
NESsT. Métodos do estudo para trazer perspectivas locais ao financiamento da bioeconomia. NESsT News Source, 2024. Disponível em: https://www.nesst.org/br-news-source/2024/10/17/os-mtodos-por-trs-do-estudo-da-nesst-para-trazer-perspectivas-locais-s-discusses-de-financiamento-da-bioeconomia. Acesso em: 1 dez. 2025.

ASPROC – Associação de Produtores Rurais da Carauari
NESsT. Programa NESsT Amazônia. Disponível em: https://www.nesst.org/amazonia. Acesso em: 1 dez. 2025.

KANUJA
NESsT. Programa NESsT Amazônia – Empreendimentos apoiados. Disponível em: https://www.nesst.org/amazonia. Acesso em: 1 dez. 2025.