Tecnologia e saberes tradicionais: a combinação que está transformando a sociobioeconomia na Amazônia

A tecnologia é uma aliada indispensável no fortalecimento de negócios da sociobioeconomia amazônica. O seu uso de forma estratégica é capaz de impulsionar práticas sustentáveis e melhorar as condições de vida das comunidades locais. Foi com esse espírito que nasceu a iniciativa NESsT Amazônia Tech, um programa de aceleração criado em parceria com a empresa Cisco, com o objetivo de fomentar o uso de tecnologias em negócios de impacto na região amazônica.

A proposta é clara: aplicar soluções que ampliem a produtividade, melhorem a gestão de dados, fortaleçam a rastreabilidade e promovam a sustentabilidade das cadeias produtivas locais, sempre respeitando e valorizando o conhecimento tradicional das comunidades envolvidas. 

Foto: ManejeBem

A partir de uma chamada pública, o programa selecionou empresas tecnológicas com potencial de gerar sinergias com os negócios do portfólio da NESsT. As selecionadas — como a Elysios e a ManejeBem — receberam apoio financeiro e mentoria para adaptar suas soluções à realidade amazônica. O investimento em cada parceria girou em torno de R$ 150 mil e contemplou visitas técnicas, capacitações e o desenvolvimento de indicadores de impacto, com o objetivo de criar modelos replicáveis em toda a região. 

“Com o apoio da NESsT, a ManejeBem não apenas ampliou seu impacto, mas também se posicionou como uma referência em inovação para o agronegócio sustentável. Continuamos empenhados em fortalecer nossas operações e ampliar nossa contribuição para uma agricultura mais inclusiva e responsável.”
— CEO da ManejeBem, Juliane Lemos. 

Frederico Apollo, CEO e CFO da Elysios, também enxerga a parceria como um marco na trajetória da empresa. "Sem o apoio da NESsT, seria inviável implementar qualquer tecnologia na região amazônica. A maioria das associações e cooperativas extrativistas ainda precisa de auxílios filantrópicos para se estruturar — e algumas, dependendo da natureza de suas operações, podem sempre precisar desse apoio. Esse incentivo viabilizou o acesso a um sistema utilizado por grandes indústrias brasileiras, mas adaptado para a realidade amazonense”, diz.

Entre os negócios beneficiados pelas tecnologias adaptadas está a Coopaflora (Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte), cooperativa fundada em 2019 na Calha Norte paraense, que reúne mais de 30 comunidades, atendendo indígenas, quilombolas e assentados dos municípios de Oriximiná e Alenquer, no Pará, e Nhamundá, no Amazonas, com o objetivo de fortalecer o extrativismo sustentável e promover a conservação da floresta.

Com mais de 1.200 pessoas impactadas, sendo 30% mulheres, a organização comercializa produtos como castanha da Amazônia, cumaru, pimenta em pó, óleo de copaíba e óleo de andiroba. 

No caso da Coopaflora, a parceria com a NESsT e a ManejeBem resultou no projeto Coopatec, que oferece cursos formativos via app e WhatsApp, oficinas agroecológicas e assistência técnica remota. Em poucos meses, 70 produtores foram cadastrados na plataforma, com uma taxa de uso ativo superior a 50%. 

Já a ASSOAB (Associação dos Produtores e Beneficiadores Agroextrativistas de Beruri), que atua no Amazonas desde 1996, passou a utilizar as tecnologias da Elysios para digitalizar o controle da produção de castanha da Amazônia e garantir a rastreabilidade exigida por mercados internacionais. Com mais de 150 famílias fornecedoras e uma planta que processa até 200 toneladas por ano, a organização está fortalecendo sua governança e diversificando sua produção com óleos vegetais nativos.

A Plantus, empresa liderada por mulheres, que atua com insumos naturais para os setores cosmético e farmacêutico, também está se integrando ao programa. Suas práticas de extração já respeitam o meio ambiente e os saberes locais, mas a adoção de ferramentas digitais permitiu ampliar a escala de produção com controle e rastreabilidade, beneficiando mais de 200 famílias fornecedoras em três anos. 

Fotos: ASSOAB © Bruno Kelly

Por trás dessas transformações estão soluções inovadoras. A Elysios, por exemplo, desenvolve tecnologias de agricultura inteligente como cadernos de campo digitais, sensores de monitoramento e plataformas de gestão que ajudam os produtores a prever o clima e atender exigências legais e ambientais.

Já a ManejeBem oferece ferramentas que combinam manejo sustentável, capacitação técnica e coleta de dados, impactando mais de 15 mil pessoas. 

Ainda no âmbito do programa Amazônia Tech, a NESsT apoia a Apoena, uma agroindústria familiar da região do Médio Solimões, na Amazônia, dedicada à transformação de matérias-primas da floresta em produtos de alto valor agregado, como óleos, manteigas e farinhas. A empresa atua com foco na mandioca, desenvolvendo uma cadeia produtiva que prioriza a produção de farinha de qualidade premium, além de outros insumos como castanha da Amazônia andiroba, copaíba, Pirarucu entre outros. 

Seu trabalho é baseado em práticas sustentáveis e valorização dos conhecimentos tradicionais. Eles realizam parcerias diretas com comunidades ribeirinhas, fortalecendo o papel da agricultura familiar na geração de renda e preservação do território, e provém a estes fornecedores a tecnologia necessária para aprimorar seus processos, reduzindo esforço físico e tornando-os mais rentáveis. Essa mecanização garante também a padronização necessária para ampliar a escala de produção e garantir acesso a mercados mais exigentes. 

A Apoena mantém relações comerciais justas com produtores e produtoras, oferecendo apoio técnico e condições acessíveis de pagamento, sem juros.  Como parte dessa estratégia, a Apoena financiou a construção de uma casa de farinha automatizada na comunidade do Catuiri, próxima a Tefé, que deve iniciar operações em breve. Esse piloto tem potencial de ser replicado em outras comunidades. 

Foto: Apoena

A força do programa, no entanto, vai além da tecnologia. O grande diferencial da NESsT Amazônia Tech é a construção conjunta com os empreendimentos: as soluções são adaptadas à realidade local, respeitando os tempos e saberes dos produtores. Há ainda uma agenda transversal que inclui gênero e regeneração, fortalecendo o protagonismo feminino nas cadeias da sociobiodiversidade e criando condições para um modelo de desenvolvimento mais justo. 

Essa integração entre tecnologia e conhecimento tradicional tem se mostrado essencial para transformar a sociobioeconomia na Amazônia. Sistemas agroflorestais, uso medicinal de plantas e técnicas ancestrais de manejo ganham escala e sofisticação com ferramentas como blockchain, big data, IoT e inteligência artificial — elementos que garantem rastreabilidade, transparência e acesso a mercados internacionais. 

Contudo, desafios persistem. Faltam políticas públicas que incentivem a conexão entre ciência, inovação e saberes tradicionais, além de investimentos em infraestrutura e conectividade em áreas remotas.

Ainda assim, iniciativas como a NESsT Amazônia Tech apontam o caminho: uma sociobioeconomia inclusiva, regenerativa e sustentável, onde manter a floresta em pé é mais do que uma missão — é uma estratégia inteligente de desenvolvimento social, ambiental e econômico. 

“Faz parte do nosso papel, enquanto aceleradora de negócios de base comunitária na Amazônia, não apenas trazer soluções inovadoras que facilitem e melhorem a produção e, com isso, a renda das famílias beneficiadas, mas também prover as condições para que essas soluções sejam implementadas, incluindo o suporte financeiro e as mentorias, para que essas adaptações de linguagem e do contexto local sejam realizadas, tornando possível a aderência dos produtores pelo uso destas tecnologias”.
— Marissa Renaud, gerente de portfólio da NESsT Brasil. 

Os próximos passos da NESsT incluem compartilhar os resultados consolidados do programa, fortalecer sinergias entre os negócios apoiados e levar as experiências da Amazônia Tech para palcos internacionais como a COP30, mostrando ao mundo que é possível crescer preservando, inovar respeitando e transformar valorizando a floresta e seu povo. 

Foto da capa: Coopaflora